A cobertura da mídia brasileira sobre a infância ainda é muito centrada no factual, como a criança que caiu da sacada ou o pai que esqueceu o filho na cadeirinha dentro do carro.
Mas, de forma geral, o tema mais abordado na imprensa é a saúde, de acordo com duas pesquisas. Um levantamento de 2010 105 mostrou que 23,2% das matérias (de veículos impressos) tratavam desse tema. Esse índice subiu para 50,2% em uma pesquisa de 2015 106 que abrangia também veículos online.
O tema da violência apareceu em segundo lugar nos dois levantamentos, seguido de perto pela educação.
De um modo geral, a maioria das matérias analisadas apresenta contexto negativo, com foco em acidentes, na precarização da educação e na má situação dos atendimentos de saúde. 107 A criança quase nunca é ouvida.
Apesar disso, as pesquisas mostram uma evolução considerável em relação a aspectos como a discussão de soluções. A incidência de reportagens com esse enfoque subiu, entre 2010 e 2015, de 2,3% para 17%.

Informações que valem ser divulgadas
- As matérias de saúde destacam as questões físicas do crescimento, mas poderiam apresentar outros dados sobre o desenvolvimento emocional e cognitivo. É importante tratar a questão do desenvolvimento do cérebro e ressaltar que nutrição adequada, relacionamentos afetivos significativos, tempo e espaço para brincar e ambientes seguros, saudáveis e estimulantes são fundamentais para o pleno desenvolvimento da criança (veja exemplos práticos em Mitos e verdades e Caminhos para facilitar a comunicação).
- Apesar de a violência ser pauta frequente, ela recebe pouca atenção dos meios de comunicação no que diz respeito a seus impactos no desenvolvimento na primeira infância. É importante descrever como a violência pode afetar negativamente o cérebro em desenvolvimento, com consequências ao longo da vida, interferindo na aprendizagem, na saúde e no comportamento.
- As pesquisas com foco na primeira infância revelam a importância de creches e pré-escolas para o desenvolvimento nesse período da vida. No entanto, a Educação Infantil ainda recebe menos atenção do que os outros níveis de ensino na mídia.

Informação sem complicação
- Para que as crianças não apareçam apenas de maneira decorativa nas reportagens, procure dar o exemplo, ouvindo-as e citando-as, sempre que possível, nos assuntos que lhes dizem respeito.108
- Na hora de conversar com uma criança, reserve um tempo maior. Em geral, essa conversa costuma ser mais longa, pois é necessário entender melhor seu universo (veja mais dicas de como ouvir as crianças em Caminhos para facilitar a comunicação).
- Dados como idade, local de moradia, quem faz parte da família, onde estuda, brincadeiras favoritas, do que tem medo, o que a faz feliz e do que sente falta podem ajudar a contextualizar melhor as suas respostas.
- Não se limite a apenas divulgar os números e resultados das pesquisas ou intervenções. Interpretar esses dados e, sempre que possível, contextualizá-los torna a informação mais interessante e facilita seu entendimento. Que outros atores, além do poder público, estão envolvidos na resolução desse problema? O que cabe a cada um deles? O que já foi feito? O que ainda é preciso fazer? Há bons exemplos de iniciativas comunitárias? Que agendas devemos impulsionar em relação à primeira infância? Questionamentos como esses podem ser úteis para ampliar a discussão.
- Especialistas e agentes públicos e comunitários podem destacar seus trabalhos acadêmicos ou de intervenção em relação à primeira infância em palestras, entrevistas ou mesmo em mensagens nos veículos ou redes sociais, ajudando a disseminar e a qualificar a cobertura.
- As consultas a fontes diversas e qualificadas, como estudos científicos, análises estatísticas, especialistas reconhecidos em suas áreas de atuação e instituições voltadas à garantia dos direitos da criança, dão mais consistência e credibilidade aos textos.
- Procure ir além das abordagens estatísticas ou da cobertura de casos isolados. Há vários caminhos para ampliar a discussão sobre a primeira infância. Algumas sugestões:
- lembrar que há outras formas mais sutis de violência, como a negligência e as agressões verbais.
- ir fundo nos fatores sociais que influenciam ou contribuem para o aumento dos índices de violência contra crianças.
- vincular as causas a soluções preventivas.
- explicar os mecanismos pelos quais a violência afeta diretamente o desenvolvimento das crianças.
- levar ao conhecimento do público a legislação, como a Constituição Federal, o ECA e o Marco Legal da Primeira Infância, além de outros documentos importantes, como a Convenção sobre os Direitos das Crianças.
- acompanhar as políticas públicas, não apenas no momento de sua aprovação, mas de seu fomento, de sua elaboração em forma de projeto de lei, de sua tramitação etc.
- experimentar inverter as estatísticas.109 Quando um ministro, por exemplo, orgulhosamente anuncia que 70% das crianças foram vacinadas contra a poliomielite, cabe o questionamento: o que falta para atingir os 30% restantes?
- divulgar as pesquisas que salientam as descobertas em relação à educação. Diversas áreas vêm estudando e dando imensas contribuições, como a Economia e a Neurociência.
- explicar que, além do pediatra, há outros profissionais envolvidos nos cuidados com a criança. Entre eles, psicólogos, psicopedagogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais etc.
- Tentar ampliar o olhar. Falar de primeira infância vai muito além de abordagens focadas na saúde, na educação ou comportamento. Sempre que estiver fazendo uma reportagem, coloque as lentes da criança e pergunte-se, por exemplo, como elas podem ser impactadas pelo que está acontecendo. Na hora de definição de orçamento municipal ou até federal, qual a parte destinada a iniciativas para a primeira infância?
Ferramentas de comunicação e outras inspirações
Sugestões de imagens
- Gráficos de barras permitem a visualização imediata de dados como desigualdades sociais. Esse recurso pode ser usado, por exemplo, para mostrar diferenças de gênero e raça/etnia em relação ao acesso à educação ou à saúde.
- Nunca mostre crianças em situação vexatória ou constrangedora. Segundo o artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.110
- Evite recursos como tarjas nos olhos. Uma foto em movimento, embaçada ou com a criança de costas, por exemplo, não permite a identificação e também não “criminaliza” as crianças.
