Esta seleção de mitos e verdades sobre a primeira infância, elaborada com a ajuda de pesquisas e de diversos especialistas no assunto, destaca questões que podem fazer a diferença no desenvolvimento infantil e sintetiza as principais armadilhas enfrentadas na hora de falar sobre o tema.

Antes de prosseguir, reflita sobre as afirmações abaixo e escolha uma das alternativas. Ao clicar na opção selecionada, você encontrará as respostas, além de dicas e sugestões para deixar a comunicação mais eficiente e exemplos práticos para inspirá-lo – como este teste.

Os cuidados físicos com a criança são mais importantes que brincar e dar carinho a ela.

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Mito

A sociedade entende que ações como levar ao pediatra regularmente e aplicar as vacinas recomendadas são relevantes para o desenvolvimento da criança de até 3 anos, porém, carinho, estímulo e afeto ainda não são tratados com a mesma importância.128

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Sempre que for comunicar o desenvolvimento infantil, procure utilizar a abordagem do desenvolvimento pleno, que entrelaça os desenvolvimentos físico, emocional, social e cognitivo.

Exemplo prático: Que tal usar uma história em quadrinhos para mostrar a importância de abordar o desenvolvimento pleno?

O Almanaque da família brasileira,129 uma publicação do Unicef em parceria com o cartunista Ziraldo e a Editora Globo, explica de maneira simples os cuidados de que as crianças de até 6 anos precisam para desenvolver todo o seu potencial. Por meio da história de Roberto e da sua família, fica fácil perceber como as habilidades sociais, emocionais e cognitivas estão interligadas.

As crianças de hoje brincam menos que as de antigamente.

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Mito

Essa sensação, segundo alguns especialistas, existe porque os adultos têm dificuldade de reconhecer e aceitar as brincadeiras da atualidade. Na realidade, há certo saudosismo da infância de 40 ou 30 anos atrás, em que as crianças se divertiam nas ruas. Os mais velhos acham que as crianças não brincam mais porque não fazem as mesmas brincadeiras que eles costumavam fazer.

Informação sem complicação

Procure mostrar do que as crianças brincam hoje e aproveite para ressaltar a importância do brincar para o desenvolvimento infantil. É no brincar que a criança entende o mundo em que vive e passa a interagir com ele.

Exemplos práticos: Há várias maneiras de mostrar como as crianças brincam hoje e a importância disso para o seu desenvolvimento. Um bom exemplo é o projeto Território do Brincar.

Os documentaristas Renata Meirelles e David Reeks visitaram comunidades rurais, indígenas, quilombolas, grandes metrópoles, ouvindo e registrando de forma espontânea as brincadeiras das crianças.

No canal do projeto no YouTube, há diversos minidocs. Em um deles, várias crianças de Abadia (MG) se divertem e explicam como brincam com um pião feito de vara e biorra, um fruto que só os macacos e pássaros comem. Também há um vídeo sobre uma variação da brincadeira de elástico de Acupe (BA), em que as crianças usam vários pedaços de pano enrolados, entre muitos outros.

O trabalho de pesquisa feito para o projeto também deu origem a um longa-metragem, a diversos curtas, a dois livros e a duas séries para TV, que podem servir de gancho para falar sobre o assunto.

Ambientes desprotegidos ou violentos, falta de saneamento básico e/ou negligência nos cuidados na primeira infância afetam o desenvolvimento pleno da criança.

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Verdade

Crianças que crescem nesses ambientes estão continuamente lidando com adversidades fisiológicas e emocionais que podem gerar efeitos de longa duração sobre a saúde e o desenvolvimento.

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Na comunicação, a responsabilidade pelo desenvolvimento da criança costuma recair apenas sobre a família, vista, muitas vezes, como desestruturada e incapaz principalmente quando há algum tipo de problema. Ao culpar as famílias, sobretudo as de certas regiões de nível socioeconômico baixo, os meios de comunicação contribuem para isolá-las. Para não cair nessa armadilha, procure:

  • Mostrar a importância do papel de todos no desenvolvimento infantil, inclusive do Estado e da sociedade, para garantir condições adequadas ao desenvolvimento das crianças.
  • Descrever o contexto social. Em geral, ele fica ausente das histórias narradas pela mídia. Indague, por exemplo, se há água potável, creches, pré-escolas e postos de saúde.
  • Não considerar os pais como a única solução. Eles devem ser vistos como parte de uma equipe bem conectada de adultos que age de forma coordenada para garantir o desenvolvimento das crianças.130
  • Não fazer julgamentos ou ser determinista. Isso só afasta a população e não a mobiliza.

Exemplo prático: Uma instalação com carteiras escolares e placas com nome, idade das crianças e a razão pela qual elas faltaram à escola foi a forma que o Unicef encontrou para mobilizar gestores e chamar atenção sobre a complexidade de fatores envolvidos na exclusão escolar, como o trabalho infantil, a violência ou a falta de transporte.

A instalação foi montada em 2013, durante o 14º Fórum Nacional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e fez parte da campanha Fora da Escola Não Pode.

Lembranças de maus-tratos físicos, sexuais ou psicológicos sofridos na infância passam com o tempo.

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Mito

Vítimas de violência podem vir a ter problemas comportamentais graves. Algumas podem criar estratégias psicológicas para atenuar esse sofrimento ao longo da vida, mas, em geral, não conseguem se esquecer.

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Quando o assunto é violência contra a criança, é importante que a comunicação:

  1. Ressalte que a violência é crime, independentemente de quem a cometeu, e traz consequências graves ao desenvolvimento da criança.
  2. Não propague ideias que possam amenizar a violência, como “Eu agradeço aos meus pais as surras que levei”.
  3. Não use imagens ou referências que possam sugerir o uso de qualquer tipo de violência contra criança, como uma palmada para repreender um bebê que colocou a mão na tomada.

Exemplo prático: A campanha Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual de Crianças e Adolescentes de 2016 não apenas reforça que a violência contra a criança é crime como provoca: “Não desvie o olhar. Fique atento. Denuncie. Proteja nossas crianças e adolescentes da violência”.

As peças usam imagens estilizadas dos chamados três macacos sábios (não vi, não ouvi, não falei). Seu principal objetivo é conscientizar a sociedade em geral da importância de prevenir e denunciar todas as formas de violência. Veja o vídeo aqui.

Dificuldades para criar e educar os filhos só existem em famílias pobres e problemáticas.

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Mito

Essas dificuldades são universais, independentemente da raça/etnia, do nível socioeconômico ou da formação acadêmica dos pais.

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Para combater esse mito, os exemplos (e depoimentos) utilizados na comunicação devem procurar:

  1. Ser os mais diversos possíveis, abrangendo diferentes realidades socioeconômicas e culturais.
  2. Evitar associar adjetivos como “desestruturadas”, “desorganizadas” e “problemáticas”, principalmente a famílias em situação de pobreza.
  3. Não atribuir os desafios ou dificuldades demonstradas pelas crianças ao julgamento direto de problemas na família e em suas práticas de cuidados. Ao contrário, procure ressaltar as fortalezas (pontos positivos) de cada família e reforçar a importância dos programas e serviços públicos de apoio a elas na promoção do desenvolvimento da primeira infância. Incentive a família a reconhecer o seu relevante papel de promotora do desenvolvimento pleno da criança.131

Exemplo prático: O documentário O começo da vida costura depoimentos de famílias de diferentes classes socioeconômicas e etnias para mostrar como as dificuldades em criar e educar as crianças são universais.

É importante ouvir as crianças.

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Verdade

Sim, elas têm o que falar. Ouça o que os bebês e as crianças têm a dizer e valorize a expressão deles, mesmo que ainda não formem palavras, mas apenas balbucios. Também procure levar em conta seus pontos de vista e considerações em atividades, políticas e propostas pedagógicas nas escolas ou mesmo nas brincadeiras.

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Nas diversas comunicações sobre primeira infância, procure ouvir as crianças e mostrar, por meio de imagens ou texto, o que elas pensam.

Exemplos práticos: Diversos relatórios ilustram temas difíceis como violência doméstica, racismo ou trabalho infantil com desenhos das próprias crianças. Essa também é uma forma de ouvi-las.

Há ainda projetos que usam metodologias de participação infantil. O Centro de Criação de Imagem Popular (Cecip) lançou a publicação Projetos com participação infantil no Brasil, com, com informações de 40 projetos que usam essas metodologias e são realizados por diversas organizações em diferentes estados. Acesse a publicação gratuitamente aqui.

Outro exemplo interessante de escuta das crianças é o Mapa do Brincar, da Folhinha, suplemento infantil do jornal Folha de S.Paulo. O site reuniu 750 brincadeiras sugeridas pelas próprias crianças, além de áudios, fotos e desenhos feitos por elas, valorizando o seu conhecimento sobre o assunto.

A criança precisa fazer explorações (de lugares e de objetos).

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Verdade

A promoção de ambientes familiares e escolares focados na criança como ser ativo é importante e necessária. Enfatize que tais espaços devem oferecer à criança segurança para que não haja riscos de acidente e para que ela se sinta à vontade para explorar o espaço com liberdade. Mencione também que, além disso, devem ser proporcionadas situações em que a criança possa explorar, brincar e adquirir gradativa autonomia e responsabilidade por suas ações, desde os primeiros meses de vida.

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Imagens e textos que descrevam esses ambientes ajudam os adultos a repensar tais espaços. Sempre que possível, prefira imagens que valorizem a criança como ser ativo, como as que mostram:

  • Brinquedos em prateleiras baixas – assim, as crianças podem escolher com o que querem se divertir.
  • Livros com as capas viradas para a frente, em vez de enfileirados ou colocados em pilhas.
  • Objetos como sucatas (higienizadas) e pedaços de tecido à disposição das crianças, para elas escolherem e criarem à vontade.

Comparações também podem ser um ótimo recurso para facilitar a compreensão de temas como a importância da exploração para as crianças.

Exemplo prático: Um artigo da revista Mente & Cérebro132 comparou os bebês a cientistas, mostrando que eles desvendam o mundo de modo muito semelhante a esses especialistas: por meio de experimentos, análises estatísticas e formação de teorias intuitivas. Assim, claro, fica mais fácil entender.

A criança precisa de muitos brinquedos para se desenvolver.

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Mito

O consumismo é característica marcante da sociedade atual. Nem as crianças são poupadas. As relações afetivas estão sendo mediadas por bens materiais. Além disso, as crianças são bombardeadas a todo momento pelo mercado publicitário, que prega a elas a necessidade de brinquedos para se divertir e aprender. Ter não é mais importante que ser. Essa ideia é fundamental para a criança, que está constituindo a própria personalidade. A falta de limite no consumo pode provocar ansiedade, pois passa o entendimento de que a vida só é boa quando se consegue algo material.

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Procure dar exemplos de atividades e brincadeiras que não demandem consumo.

Exemplo prático: O blog Tempo Junto, da Patrícia Marinho, é uma boa fonte de referência. Mãe de duas meninas, Patrícia dá muitas dicas de brincadeiras divertidas que não demandam tempo nem dinheiro.

Para bebês de 18 a 24 meses, por exemplo, há sugestões como o violão de elástico (feito de caixa de sapatos e elástico), o boliche de garrafas PET, além de baleias, borboletas e até óculos feitos de caixa de ovo. Confira aqui.

No YouTube também há uma série de vídeos que podem ser encontrados pelo nome “cesto (ou cesta) de tesouros”, em português, ou então “treasure basket”, em inglês. Essas cestas ou cestos são compostos por objetos do cotidiano (em geral, cerca de 15 ou 20), como colheres, tampas, panelas, panos, mangueiras e chaves para as crianças explorarem à vontade. Há mais de 100 itens sugeridos para as cestas que podem servir de inspiração para sugestões de brincadeiras com crianças de 6 a 18 meses.

Todas as crianças precisam interagir com adultos.

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Verdade

Nenhuma criança pode ser privada do convívio próximo com um adulto. Crianças com qualquer tipo de deficiência ou que estejam em abrigos, em situação de rua ou mesmo hospitalizadas também precisam de interação com os adultos.

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Ao falar da necessidade de a criança interagir com o adulto, procure ressaltar que a recomendação vale para todas as crianças, incluindo, sempre que possível, exemplos de crianças em abrigos, com deficiência ou em situação de rua.

É importante dar visibilidade a essas crianças e estimular o contato delas com o mundo, inclusive mostrando o que pode ser feito em cada caso.

Exemplo prático: Valorize histórias e depoimentos que mostram exemplos de interações dessas crianças com os adultos e sua importância, como o de uma voluntária que conversa e lê para crianças em abrigos ou em hospitais.

Na newsletter da campanha Receite um Livro, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Fundação Itaú Social e Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, há sempre boas histórias que valorizam as interações.

Estudos científicos também podem ser usados para ilustrar a importância da interação das crianças com os adultos. Em 2000, por exemplo, um grupo de especialistas realizou, em Bucareste, na Romênia, um estudo133 para determinar os efeitos de viver em uma instituição estatal sobre o cérebro e o comportamento das crianças. Pela primeira vez no mundo, um estudo comparou o bem-estar físico e emocional de crianças em instituições estatais e de crianças em lares adotivos. A diferença entre a primeira infância vivida em uma instituição e aquela vivida em um lar adotivo foi enorme. O estudo constatou que as crianças que viveram os dois primeiros anos em instituições tinham Q.I. mais baixo e atividade cerebral enfraquecida em comparação com crianças adotadas ou com aquelas que nunca viveram nessas instituições.

A licença-paternidade é inútil para a criança.

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Mito

Ao contrário do que muitos pensam, a licença-paternidade não é algo desnecessário só porque não é o pai quem amamenta o bebê. Pelo contrário. Diversos estudos134 já comprovaram os benefícios da licença-paternidade para o desenvolvimento da criança.

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Alguns dados que você pode mencionar em defesa da licença-paternidade:

  • Há diversos estudos que mostram os impactos positivos da licença-paternidade sobre o desenvolvimento infantil e mesmo sobre a igualdade de gêneros em países onde a licença é mais extensa e está em vigor há mais tempo.
  • O efeito positivo da licença-paternidade se reflete, sim, na amamentação. Crianças de pais que usaram a licença-paternidade têm mais probabilidade de serem amamentadas no primeiro ano em comparação a filhos de pais que não utilizaram a licença.
  • Há evidências de que o aumento da licença-paternidade também ajudaria a mudar o comportamento das famílias quanto à divisão de tarefas domésticas e a diminuir a diferença entre homens e mulheres no mercado de trabalho.
  • Pesquisas recentes indicam que o envolvimento dos pais no cuidado com os filhos afeta as crianças de muitas formas. Entre os ganhos observados, você pode citar: maior desenvolvimento cognitivo, melhor desempenho escolar e menores taxas de delinquência.

Exemplo prático: Um cartaz com uma foto de um pai com a mão na barriga da mulher grávida e a frase “Você nunca perde uma consulta pré-natal. Você é meu pai” é um dos bons exemplos da campanha global MenCare, de valorização da paternidade.

Os cartazes usam imagens e mensagens positivas para falar diretamente aos pais. A ideia é encorajá-los a se verem como os filhos os veem, traduzindo em linguagem publicitária as principais evidências sobre a importância paterna no desenvolvimento das crianças e na igualdade de gênero.

Lançada em 2011, a campanha, coordenada pelo Promundo e Sonke Gender Institute, já se espalhou por 35 países, atingindo milhões de pessoas.

Na África do Sul, a iniciativa também usou a rádio para falar sobre a paternidade. Já na Indonésia, as celebridades participaram de campanha na TV. Veja algumas das peças aqui.